quinta-feira, 11 de agosto de 2011

‘Semae nunca recebeu compras’


JÚLIA GUIMARÃES
Boa parte dos produtos relacionados em notas fiscais emitidas pela empresa Michele Trading em nome do Serviço Municipal de Águas e Esgotos (Semae) jamais teria sido de fato fornecida à autarquia. A conclusão é do Ministério Público de Mogi das Cruzes e foi feita a partir da análise de documentos e da coleta de depoimentos de servidores municipais, como parte do inquérito civil público de apuração do suposto esquema de fraudes de licitações e desvio de dinheiro público no Semae. As investigações concluídas recentemente deram origem à ação de responsabilidade civil por ato de improbidade administrativa, proposta pelos promotores na última semana, com pedido de condenação dos possíveis responsáveis pelas irregularidades.
No total, segundo a acusação, foram assinados nove contratos fraudulentos entre o Semae e a empresa Michele Trading Ltda., que resultaram em 25 procedimentos de pagamento que somam R$ 1.100.407,72 (confira nesta página as relações das licitações e dos pagamentos supostamente irregulares). Os promotores Alexandre Mauro Alves Coelho e Omar Mazloum, que assinam a ação, concluíram que os prejuízos aos cofres públicos chegam ao valor atualizado de R$ 3.435.989,22. O rombo, conforme apontado nas investigações, foi possível, basicamente, graças a dois procedimentos irregulares. O primeiro deles era a manipulação dos procedimentos licitatórios para garantir que a Michele Trading vencesse as concorrências. O segundo passo consistia na falsificação das requisições de novos produtos e das declarações de recebimento de material no setor de almoxarifado do Semae.
As primeiras constatações de que os produtos adquiridos pelo Semae não eram fornecidos foram feitas ainda no começo das investigações, quando o Ministério Público realizou a primeira diligência à sede do Semae. Durante o procedimento de busca e apreensão, autorizado pela Justiça, o promotor Alexandre Coelho fez a comparação das notas fiscais com os registros de entrada e saída de produtos do almoxarifado. Na ocasião, a servidora Denise Gianotti, encarregada do setor, admitiu que - agindo por orientação do ex-chefe de Divisão, Felipe Jacques da Silva Peres, teria declarado falsamente o recebimento de mercadorias constantes em notas fiscais emitidas pela Michele Trading, sem que os produtos fossem de fato fornecidos. Ela relatou que, em razão disso, muitos produtos, como blocos de concreto, arames e lustra-móveis, não seriam localizados.
A partir de tal depoimento, o Ministério Público realizou nova diligência, em imóvel da Rua Paulino de Souza Melo, na Vila Nova Aparecida, também usado como depósito da autarquia, a fim de constatar eventual existência do material de construção discriminado nas notas, como arames (farpado e cozido), blocos de concreto (tipos estrutural, de vedação, curvo e canaleta), vergalhões e mourão de concreto armado. Porém, na ocasião, o servidor Zaqueu Cândido da Silva informou que, neste ano de 2011, não ingressaram no local quaisquer produtos do tipo. Todos os blocos encontrados no local, segundo o funcionário, teriam sido entregues por uma empresa de Biritiba Mirim, no ano passado.
O não fornecimento dos produtos também foi constatado pela Promotoria a partir de depoimento de funcionários de outros setores. Então diretora de Finanças do Semae, a servidora Maria do Carmo Fernandes relatou que recebeu, em seu setor, notas fiscais emitidas pela Michele Trading que indicavam compra de materiais não consumidos pela autarquia ou em quantidades bem superiores à necessidade do órgão. Ela afirmou que comunicou os fatos a Denise Gianotti e ao então diretor geral da autarquia, Edílson Mota de Oliveira, mas que nenhuma providência foi tomada. O tesoureiro Carlos Alberto Alves também afirmou que as notas emitidas em nome da empresa chamavam a atenção em decorrência do volume de material, que era muito elevado para a média dos serviços da autarquia.
Documentos
A partir da análise dos documentos apreendidos, os promotores Alexandre Coelho e Omar Mazloum concluíram também que as notas fiscais emitidas pela Michele Trading apresentam "os respectivos conhecimentos de transporte em branco e sem destaque", o que indicaria que "as mercadorias não foram transportadas". Ainda de acordo com a ação proposta pelo MP, o inventário do estoque do almoxarifado da autarquia, elaborado nos autos da sindicância determinada pelo Poder Executivo, apontam que o saldo de mercadorias existente em estoque fornecido pela Michele Trading "é irrisório e não comprova que os materiais constantes nas notas foram realmente fornecidos". A sindicância, cujo teor foi anexado aos autos do processo, concluiu que "a empresa fraudou a autarquia através da utilização de notas fiscais inidônias".

Fonte:O Diário de Mogi