sexta-feira, 5 de julho de 2013

Tribuna Livre (Des)amor filial Dirceu Do Valle

Tribuna Livre
(Des)amor filial
Dirceu Do Valle

A síntese do pensamento cristão está no Decálogo. Aponta a Bíblia, indicando o caminho para chegar bem quando se partir desta para melhor, que quem segue os Dez Mandamentos "tem a vida eterna" (Mt 19, 16-21).

E se a lei de inspiração divina, com o tempo, sofre aperfeiçoamentos, como, por exemplo, sucedeu com o Antigo e o Novo Testamento, quem dirá a dos homens, profana, imperfeita.

Deste modo, a lei e sua interpretação, com o passar dos anos, alteram-se para se acomodar aos avanços - e, também, aos retrocessos! - galgados. Normas de antanho, não raro lixo legislativo, estão fadadas ao ocaso, vigentes na prática e revogadas pelo consuetudinário.

E ao que aqui interessa, dentro daqueles preceitos base recebidos por Moisés no Monte Sinai, destaque-se um que é o "Honrar pai e mãe", dispositivo, em tempos atuais, tão renegado.

Em razão da indiferença no trato dos mais velhos, veio à lume o Estatuto do Idoso, excepcionalíssimo momento de lucidez, raro instante em que não legislava em causa própria o Congresso.

Assim, conquanto ausente política pública efetiva - e isso em todos os níveis: federal, estadual e municipal - , para lidar com a questão, sobreveio, ao menos no campo legislativo, medidas protetivas para aqueles no inverno da existência.

Entretanto, entre nós as referidas disposições legais, focam primordialmente o material, dificultando que a velhice seja vítima do logro ou da violência ou, ainda, do desemparo financeiro. Entenderam nossos representantes, porém, que sobre amor, respeito e gratidão não se cabe legislar, impondo, goela abaixo, deferência.

Do outro lado do mundo, em nação que sabidamente não tem lá muito compromisso com Direitos Humanos, visitar os pais é lei.

Na China, nesta semana, foi promulgado diploma que impõe aos filhos a obrigação de, quando em quando, verem os pais idosos, obrigando-os a visitá-los com certa frequência.

Não se ignora que a reverência aos ascendentes é, culturalmente, característica muito mais presente entre os orientais, mas, estes, cada vez mais ocidentalizados com a globalização, chegaram a um ponto que, percebendo o governo chinês cada vez mais presente a indiferença e o distanciamento entre gerações, necessária a positivação do amor.

Resultado dessa sociedade de consumo, fenômeno mundial, em que o ter é muitíssimo mais importante que o ser, negligenciam os mais novos, sob a desculpa da correria da vida cotidiana, aqueles que, com muito passado e pouco futuro, só queriam a presença dos seus nos últimos dias.Pobre sociedade que precisa, pela força da lei e sob ameaça de grilhetas, impor que filhos amem seus pais. Pobres de nós.


Dirceu do Valle,
É advogado e professor da pós-graduação da PUC/SP


Fonte:Mogi News