domingo, 6 de janeiro de 2013

Entre a fanfarra, Brascol e Direito


Entre a fanfarra, Brascol e Direito
DOM, 06 DE JANEIRO DE 2013 10:00
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Aos 70 anos, Simão Pedro Abib conta histórias vividas em Mogi, onde chegou com os pais ainda criança / Foto Edson Martins

Nome: Simão Pedro Abib
Idade: 70 anos
Nascimento: Pouso Alegre (MG)
Estado civil: casado há 42 anos com Marta Ivani Fernandes Abib
Filhos: Fábio
Netos: João Pedro e Bruno
Formação: Direito (UBC)
Profissão: Advogado
Os tempos áureos da fanfarra do Liceu Braz Cubas ficaram na memória do mineiro Simão Pedro Abib, que chegou a Mogi das Cruzes com apenas 2 meses de vida. O pai, o libanês Pedro Abib, era marceneiro e veio trabalhar na Mineração Geral do Brasil, por isso, com a mulher (Said Abib) e os oito filhos (Benedito, Abib, Vera, Geraldo, José Maria, Tarcísio, Claret e Simão) se mudou para a Cidade. A infância e juventude foram vividas na região central, onde Simão brincava tranquilamente nas ruas com os irmãos e amigos. Fez o primário no Grupo Escolar Coronel Almeida, o curso preparatório para o Exame de Admissão e iniciou o ginásio em Suzano, transferindo-se posteriormente para o Liceu Braz Cubas, onde ficou até o terceiro ano do Básico. Lá participou das apresentações da fanfarra, do grêmio estudantil e da Brascol – competição esportiva entre os alunos do Instituto de Educação Dr. Washington Luís e do Liceu. No colegial, fez o Madureza no Santa Mônica e, na faculdade, formou-se em Direito na Universidade Braz Cubas (UBC). Trabalhou no Cartório de Registro de Imóveis e Anexos, onde começou com office-boy e chegou a escrevente, ficou 12 anos no setor de contabilidade e faturamento da Aços Anhanguera, teve loja de roupas infantis na região central e exerceu a advocacia até se aposentar. Na entrevista a O Diário, Simão compartilha suas histórias com os leitores:
O senhor é mineiro. Quando chegou a Mogi das Cruzes?
Nasci em Pouso Alegre, mas quando tinha apenas 2 meses, meus pais se mudaram para Mogi, com os oito filhos. Ele era libanês e veio com uma formação avançada em marcenaria, então foi chamado para trabalhar na Mineração Geral do Brasil, que naquele tempo trazia muita gente, principalmente de Minas Gerais, para cá. Primeiramente moramos na Rua Barão de Jaceguai, na casa vizinha ao salão de bailes União, onde mais tarde funcionou o 1º de setembro e hoje é um estacionamento. Ao lado ficava o Vila Santista. Mas logo nos mudamos para o número 199 da Ricardo Vilela, no prédio atualmente ocupado pela Lojas Cem e, posteriormente, para a casa 357 da mesma rua. A Cidade era tranquila e brincávamos de queimada, mana mula e futebol na rua, que tinha poucos carros e era de paralelepípedos.
Há histórias desta época?
Quando tinha 14 anos, perdi meu pai, que morreu trabalhando em um dos tornos da Mineração, em 1959. Ele também era modelista e estava preparando uma peça de madeira, quando ela escapou do torno, atingiu sua cabeça e ele caiu no chão, também batendo a cabeça. Foi internado no Hospital Santa Cruz, em São Paulo, mas morreu. Nesta época, morávamos na Ricardo Vilela e, como meus irmãos já estavam casados, com exceção do mais velho, o Benedito, que trabalhava e morava em São Paulo, ficamos apenas eu e minha mãe. Quando me casei, já estávamos na Rua Tenente Manoel Alves, o Benedito se aposentou, voltou para Mogi e ficou morando com nossa mãe.
Onde o senhor estudou?
Estudei o primário no Grupo Escolar Coronel Almeida, onde tive professoras como Iraci Bonilha e Celeste. Esta última tinha uma escola na Rua Princesa Isabel de Bragança e lá fiz o curso preparatório para o Exame de Admissão. Não passei no Ginásio do Estado em Mogi (Instituto de Educação Dr. Washington Luís), fui estudar em Suzano, onde fiz os dois primeiros anos do ginásio, vim para o Liceu Braz Cubas e lá fiquei até o 3º ano do Básico. A quarta série foi completada em Suzano, para onde ia todas as noites. Já no 2º grau, fiz o Madureza, no Colégio Santa Mônica, durante um ano e meio.
Ficaram lembranças do curso no Liceu?
Era o tempo áureo da fanfarra, que tinha o Rubens Rodrigues de Melo, o Rubão, como instrutor. Com ele aprendemos civismo, solidariedade, companheirismo, disciplina e a ter amor pela escola. Ele era um professor exigente, mas após os ensaios, se tornava um grande amigo dos alunos. O pessoal gostava tanto dele que, durante uma época, ele saiu e trouxeram dois instrutores da Guarda Civil de São Paulo. O Liceu estava em construção na Rua Francisco Franco e nós nos escondíamos e fugíamos deles, então, o Rubão teve que voltar. Tenho guardados uniforme, fotografias e diploma da fanfarra, que assim como o grupo do Instituto de Educação, parava a Cidade nos dias de desfile na Avenida (Voluntário Fernando Pinheiro Franco). Mogi vivia uma efervescência por causa das fanfarras e as famílias se envolviam nos preparativos.
Onde eram realizados os ensaios?
Os ensaios aconteciam nas noites frias de julho e agosto, nas proximidades da Mineração, onde hoje está o Hipermercado Shibata. Ali era uma área descampada e ideal para isso, mas tudo era mantido no mais absoluto segredo e quem tinha amigos ou mesmo namorada ou namorado estudando no Instituto evitava se encontrar nesta época que antecedia o 1º de setembro, porque os toques, uniformes, tudo era sigilo. Só que, apesar da rivalidade, a situação voltava ao normal no dia seguinte e, quando chegava o Carnaval, alunos do Liceu e do Instituto se juntavam para formar a escola de samba Os Catedráticos. Nós nos reuníamos na casa do Josmar e saíamos pela Avenida, na época em que Mogi tinha escolas como a da Mineração, Manelinha e São João. Em um ano, levamos à Avenida as criações do Mauricio de Sousa, então, como ele morava perto do Instituto de Educação, fomos várias vezes à casa dele para que nos ensinasse a fazer os bonecos.
Quais apresentações da fanfarra foram inesquecíveis?
O desfile em comemoração ao 4º Centenário de Mogi, do qual fomos campeões, ficou na memória, assim como a apresentação nos Jogos da Primavera, organizado pelo Jornal dos Esportes. O então presidente da República, Juscelino Kubitschek, nos assistiu no Estádio das Laranjeiras, onde fomos aplaudidos de pé. Nós viajamos no trem de aço, que fazia o trajeto até o Rio de Janeiro em oito horas. Ficamos hospedados no Colégio Militar, perto do Maracanã, onde assistimos ao jogo entre Fluminense e Canto do Rio. Nosso uniforme imitava o usado pela guarda oficial da rainha da Inglaterra e ficou na história. Lembro do Saracura, um rapaz que carregava as baquetas da fanfarra, que ao entrar no Maracanã se espantou com o tamanho do estádio, dizendo que ele era bem maior do que o do União (Futebol Clube). Na segunda vez em que estivemos no Rio, atravessamos a Baía de Guanabara, quando o porta-aviões Minas Gerais tinha acabado de chegar, e ficamos acampados no Olaria. Novamente, em um domingo, fomos ao Maracanã e assistimos à partida entre Fluminense e Botafogo.
Além da fanfarra, quais eram as outras diversões da garotada na sua adolescência?
Quando moleque, havia um programa infantil na Rádio Marabá, aos domingos, do qual sempre participávamos, após a missa na Catedral. O apresentador era o Valter Monteiro de Castro, que nos fazia perguntas e quem as acertava ganhava ingressos para as sessões Pif-Paf do Cine Odeon, onde assistíamos a filmes com Roy Rogers, Durango Kid, Tarzan, entre outros. Também brincávamos na Praça Oswaldo Cruz, já que morávamos bem perto dali, e não dávamos sossego aos casais de namorados. No coreto, os músicos da Banda Santa Cecília se apresentavam, sob o comando do maestro Laurindo. Também tínhamos a Banda Guarani. Lembro que nas manhãs de 1º de setembro, dia do aniversário de Mogi, minha família se reunia para ver a banda passar em frente à casa da minha mãe, na Tenente Manoel Alves. Era o tempo em que as mães colocavam cadeiras nas calçadas e ficavam conversando enquanto os filhos brincavam tranquilamente na rua.
O senhor frequentou os outros cinemas da Cidade?
Como o Cine Parque ficava perto de casa, eu também costumava ir lá. Ele era bonito e tinha um gradil lindo na frente, onde a Nhá Zéfa encostava seu cavalo e ficava vendendo amendoim aos frequentadores do cinema. Havia, ainda, um grande espaço livre para a garotada brincar, com várias árvores.
E os bailes?
Não perdia um baile do Itapeti Clube, que era um dos melhores de Mogi. Meus irmãos, com exceção do Abib e da Vera, também viviam lá. Fui diretor de patrimônio do Itapeti, na época em que o presidente era o Sebastião Miguel, e ali havia bailes maravilhosos, principalmente os de formatura. Recebíamos orquestras como Biriba Boys, de São José dos Campos, do Simonetti, Luiz Arruda Paz, que tocava na Rádio Tupi, Rubens Peres, o Pocho, Waldemiro Lemke e Osmar Milani. Elas tinham as agendas tão concorridas que se quiséssemos contratá-las para um show, era preciso fazer reserva com até três anos de antecedência. Eu não dançava, mas adorava ficar sentado, admirando os bailes, que eram verdadeiros espetáculos.
O senhor teve envolvimento com o futebol mogiano?
Quando moleque jogava futebol como distração, mas nunca fui bom de bola, então preferia ficar como cartola. Nos tempos do Ginásio, dirigi o Grêmio Estudantil Braz Cubas, que organizava a Brascol, competição esportiva que envolvia várias modalidades e era disputada por alunos do Liceu e do Instituto. Até então, nós só perdíamos, já que o Instituto tinha melhor estrutura e um grêmio mais antigo. Mas neste ano, o Dr. Plínio (Boucault) construiu uma quadra de esportes nos fundos da escola, onde os times de basquete, vôlei e futebol de salão treinavam e, com um livro de ouro, conseguimos iluminá-la. Esta edição da Brascol foi realizada no Liceu, derrotamos o Instituto e fomos campeões pela primeira vez. Um episódio também ficou marcado nesta época, que foi o desabamento da arquibancada que montamos para os torcedores do jogo de futebol de salão. Ela ficou lotada e caiu, mas graças a Deus, não foi uma tragédia, porque não houve feridos graves. No time de vôlei feminino do Liceu, se destacavam Sonia Beust, Tuca e Tânia Manna. Ainda no esporte, anos mais tarde, atuei como diretor técnico da Liga Municipal de Futebol, na gestão do Mário de Almeida. O futebol de salão tinha sumido em Mogi e o trouxemos à tona, com partidas no ginásio do União. Mas como minha mulher era diretora na E.E. Paulo Ferrari Massaro e trabalhava à noite, quando minha sogra morreu, precisei ficar com nosso filho e deixei o futebol.
Onde o senhor fez o curso superior?
Na década de 80, me formei em Direito na Universidade Braz Cubas. Havia poucos alunos de Mogi, já que mais da metade da turma era de Santos e o restante vinha de outras cidades da Região. Lá tive excelentes professores, como o Dr. Andreotti, que me deixou um ensinamento que passei ao meu filho e agora aos netos. Na primeira aula, ele nos pediu um trabalho sobre a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). Estávamos no início do ano e o prazo para entrega do material era junho, mas ele nos orientou que começássemos a fazê-lo de imediato, a fim de não deixar para a última hora. Nunca mais esqueci isso. Também tive aulas com professores como Ronoel, Sidnei Santana, Egberto e Eduardo Malta Moreira, Luiz Augusto, Marco Antonio Nahum, entre outros, na época em que o diretor do curso de Direito era o Dr. Paulo Marcondes de Carvalho.
Qual foi seu primeiro emprego?
Comecei a trabalhar em 1966, como office boy, no Cartório de Registro de Imóveis e Anexos, na Rua Barão de Jaceguai, onde hoje é o Hotel Lisboa. De lá saí como escrevente, em 1972, já casado, quando meu filho nasceu. Então iniciei no setor de contabilidade e faturamento da Aços Anhanguera, onde fiquei até 1984, quando abri a loja de roupas infantis João e Maria, em sociedade com meus cunhados, na Rua Coronel Souza Franco. Em pouco tempo, o Rui Oscar me convidou para montar um escritório de advocacia e fomos trabalhar na esquina da Barão de Jaceguai com a Presidente Rodrigues Alves. Mas como ele morava em Ferraz de Vasconcelos, decidiu abrir escritório em São Paulo e eu fiquei sozinho. Quando me aposentei, há 10 anos, parei de advogar e hoje costumo brincar que sou office-boy do meu filho, que é ortopedista.
Como o senhor conheceu sua mulher?
No Liceu, onde começamos a namorar e cinco anos depois nos casamos, na Catedral de Santana, em cerimônia realizada pelo padre Vicente Morlini, meu amigo e orientador. Foi um casamento diferente, inspirado no modelo que ele tinha visto na Itália, onde os casais participam de uma missa. Na Bodas de Prata, ele fez a celebração, na Igreja do Carmo.
Quais são as suas distrações?
Sou saopaulino e já fui muito a estádios, como Pacaembu e Maracanã, mas atualmente acompanho os jogos pela televisão. Faço caminhada pela manhã todos os dias, vou ao Centro da Cidade, ao banco, supermercados, padarias e saio com os netos, mas as cancelas me incomodam muito, já que moro na Ponte Grande e preciso enfrentar a passagem de nível da Cabo Diogo, que raramente está aberta. Além disso, tenho uma formação católica, fiz o Cursilho em Mogi, na década de 70, e frequento as missas do Santuário Bom Jesus, aos sábados.
Como era a Ponte Grande quando o senhor se mudou para o Bairro?
Em 1970, logo que me casei, vim morar aqui, onde não havia quase nada. Eram vários terrenos sem construção e poucas casas. Na minha rua (Abel José da Silva) existiam apenas três residências, muito mato, enchentes e o único bico de luz ficava na esquina. Como meu sogro Joanito extraía argila em Cocuera e a levava à Ibar (Indústria Brasileira de Artigos Refratários), voltava de lá com o caminhão carregado de tijolos refratários. Então, ele os usou para elevar o nível da rua, a fim de evitar as enchentes. Foi o Waldemar (Costa Filho, ex-prefeito) quem colocou sarjeta, guia, iluminação e calçamento nas ruas do Bairro. (Carla Olivo)



Fonte:O Diário de Mogi