quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Boca no trombone Morremos Fábio Simas


Fabio SimasBoca no trombone
Morremos
Fábio Simas

Foi João Cabral quem escreveu que somos "Severinos iguais em tudo na vida. Morremos de morte igual, mesma morte severina: que é a morte de que se morre de velhice antes dos 30, de emboscada antes dos 20, de fome um pouco por dia e de fraqueza e de doença é que a morte severina, que ataca em qualquer idade, e até gente não nascida".

Porém, ultimamente, temos morrido por um monte de outras coisas também. Morremos pela diferença entre o preço da oferta e o valor cobrado no caixa de um restaurante. Morremos pela falta de um alvará de funcionamento. Morremos pela inexistência de saídas de emergência. Morremos pela ganância dos empresários, que na busca dos lucros exacerbados, diminuem sobremaneira os custos com segurança. Morremos porque onde cabem 100 pessoas entram 500. 
Morremos pela omissão do poder público que não fiscaliza ou que aceita propina para fingir que não vê o que há de errado. Morremos por conta da pressa em chegar mais cedo à praia. Morremos pela última lata de cerveja na balada. Morremos nas esquinas das periferias porque ficamos até um pouco mais tarde da noite jogando conversa fora com amigos de infância. 
Morremos porque o médico idiota faltou ao plantão no fim de ano para ver a queima dos fogos. Morremos porque torcemos para times diferentes. Morremos porque temos credos distintos. Morremos porque temos opções sexuais diferentes. Morremos porque entramos no trem vestindo camisetas de bandas punks e somos jogados pela janela. 
Morremos porque não damos passagem para outros carros e discutimos no trânsito. Morremos pela falta de política pública de habitação que nos faz reféns das chuvas. Morremos nas filas do INSS à espera de um laudo de invalidez. Morremos porque vendemos nossos votos. Morremos porque fomentamos o jeitinho brasileiro. 
Morremos porque estamos vivos, sim, mas morremos porque não damos valor à vida. Porque chegamos ao ponto de mesmo depois da morte de nossas mães rirmos diante de um filme cômico de roteiro ridículo. Morremos porque estamos cada vez mais niilistas. Cada vez mais hedonistas. Morremos porque o homem moderno sofre com patologias sociais criadas por ele mesmo. Morremos pela nossa falta de memória, porque depois de baixada a poeira esquecemos dos fatos e as coisas voltam a ser como antes. Morremos pela nossa negligência. Morremos porque a impunidade fez a imprudência de uns virar sinônimo de acaso, como se nosso destino estivesse nas mãos de uns calhordas. Morremos porque para nós a vida não vale mais nada e a morte muitas vezes é tratada com ironia. Definitivamente, morremos por mil motivos e hoje temos a certeza de que sem motivos morremos de saudade daqueles que se foram.


Fábio Simas, é advogado e colabora toda quarta-feira com esta coluna

Fonte:Mogi News