domingo, 8 de janeiro de 2012

Saída dos EUA preocupa sunitas

TIKRIT

Na cidade natal de Saddam Hussein (1937-2006), prisões se tornaram tão comuns que assim que um carro de polícia aparece, homens jovens fogem das ruas. Esta é uma impressionante ilustração da reversão das coisas após a invasão liderada pelos Estados Unidos em 2003, que derrubou a supremacia sunita e colocou a maioria xiita no topo. Com a retirada dos últimos soldados norte-americanos do Iraque, no final de dezembro do ano passado, cresceram os temores dos sunitas, apenas agravados após a crise política entre o primeiro-ministro Nouri al-Maliki, xiita, e o vice-presidente Tariq al-Hashemi, sunita.


Agora que as últimas forças norte-americanas deixaram o Iraque, árabes muçulmanos sunitas como Jassim Mohammed, de 57 anos, estão preocupados. "A saída dos norte-americanos representa um evento feliz, mas nossas preocupações são sobre o que vai acontecer depois da partida", disse o professor de Tikrit. "Sem dúvida após a saída dos Estados Unidos, as divisões entre sunitas e xiitas vão piorar cada vez mais."


Tikrit, que fica a 130 quilômetros ao norte de Bagdá, tem grandes casas, algumas com três andares de altura com flores pendendo pelas paredes, que atestam sua notoriedade como antiga base de poder do Partido Baath, de Saddam Hussein.


Desenhos nas paredes servem como um lembrete de que mesmo cinco anos depois de Saddam ter sido julgado por um tribunal iraquiano e enforcado, ele continua a ser um herói para muitos.


Uma mensagem rabiscada se refere ao ditador - que governou o Iraque com mão de ferro após 1979 - como um mártir que vive "nos corações das pessoas honradas".


O corpo de Saddam foi enterrado em al-Aouja, uma cidade a cerca de 15 quilômetros ao sul. No túmulo, guardado por seus parentes, vê-se uma bandeira iraquiana da época de Saddam. Um exemplar do Alcorão repousa nas proximidades. Uma colagem de fotos de Saddam, sua família e parentes foi instalada numa parede próxima.


Mas poucos visitantes vêm até aqui. Na atmosfera altamente carregada do Iraque pós-Saddam, uma das piores coisas que um iraquiano pode ser chamado é de baathista.


Nos últimos tempos, as tensões aumentaram em todo o país com a prisão de centenas de ex-baathistas, supostamente por representarem uma ameaça à segurança, embora nenhuma prova tenha sido apresentada.


Em todo o país, os xiitas representam entre 60% e 65% da população. Mas os 115 mil moradores de Tikrit são majoritariamente sunitas, segundo o prefeito da cidade, doutor Omar Tarek.


Ele estima que metade dos homens adultos de Tikrit e da província próxima de Salahuddin passou algum tempo em prisões norte-americanas ou iraquianas. Em princípio, os sunitas lideraram a insurgência contra os norte-americanos, então se tornaram aliados dos Estados Unidos contra a Al-Qaeda, mas as relações com o governo nacional, liderado pelos xiitas, continuam distantes.


Os moradores de Tikrit se apressam em dizer que as relações cotidianas entre sunitas e xiitas estão muito melhores do que eram durante o pico da insurgência, quando vizinhos se viraram contra vizinhos e setores inteiros de Bagdá foram expurgados por uma seita ou outra. Sunitas e xiitas podem viajar pelo país sem medo de serem alvejados num posto de verificação por uma milícia Mas tensões ocultas persistem.


Em Tikrit há a percepção - certa ou errada - de que o governo nacional trata os sunitas, e especialmente as pessoas de Salahuddin, de forma diferente dos xiitas.


"O governo prende apenas sunitas e baathistas e ignora todos os outros criminosos e milicianos de outras seitas", disse Tamir Khalf Faleh, um sunita que foi oficial do Exército durante o governo de Saddam.


Com o desmantelamento do Exército iraquiano e o Partido Baath, muitos sunitas ficaram desempregados, especialmente em Tikrit e na província de Salahuddin. O conselheiro provincial Dhamin al-Jabouri estima que o índice de desemprego em Salahuddin é de 40% e que o local raramente recebe grandes projetos de investimento feitos por órgãos do governo.


"Esses Ministérios ignoram Salahuddin deliberadamente", disse ele.


Ahmed al-Basrawi, um dos poucos xiitas de Tikrit, disse que durante o pior período da violência, vizinhos sunitas dormiam em sua casa para protegê-lo. Ele duvida que a partida dos norte-americanos vá piorar as relações entre integrantes das duas seitas, mas compartilha da crença sunita de que o governo discrimina a cidade e a região.


"Qualquer um que faça exigências para a província de Salahuddin é considerado um baathista pelo governo", diz ele.


Já no final da ocupação, muitos sunitas passaram a sentir que os militares norte-americanos os estavam tratando de forma mais justa do que o governo, liderado por xiitas, e temiam que a partida dos soldados dos Estados Unidos signifique a perda de um protetor.


Embora o prefeito de Tikrit, indicado pelo governo alguns meses atrás, seja sunita, os principais empregos provinciais - especialmente na área de segurança - não são destinados a árabes sunitas.


O chefe da divisão do Exército iraquiano é curdo e seus vices são xiitas. O chefe da polícia provincial é xiita.


Ammar Youssif Hammoud, o chefe sunita do conselho provincial de Salahuddin disse que forças militares "vêm de Bagdá para Salahuddin para atacar e deter dignitários sem informar o governo local".


Conselheiros provinciais se tornaram tão frustrados que em novembro aprovaram em votação a criação de sua própria região autônoma. Os curdos governam três províncias autônomas no norte e duas províncias xiitas estão lutando por autonomia no sul, mas é a ação de Salahuddin que tem despertado as reações mais fortes Muitos políticos xiitas dizem que isso poderia dividir o país.


O primeiro-ministro Nouri al-Maliki disse que Salahuddin vai se tornar um "abrigo seguro" para o partido Baath.


No Iraque, o racha entre muçulmanos sunitas e xiitas que divide o Islã há cerca de 1.300 anos é agravado pela violência contínua e a sensação de injustiça deixa pouco espaço para um compromisso de qualquer lado.


Os sunitas sentem que são penalizados simplesmente por serem sunitas como Saddam. Os xiitas sentem que depois de mais de três décadas de repressão pelos totalitaristas baathistas, precisam ser especialmente vigilantes em se livrar deles.


Fonte:O Diário de Mogi