quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Quinta-feira, 26/01/2017, às 07:41, por Helio Gurovitz O desafio de Cármen Lúcia

A presidente do STF, ministra Cármen Lúcia durante palestra em Brasília
 A presidente do STF, ministra Cármen Lúcia durante palestra em Brasília
A morte trágica do ministro Teori Zavascki lançou a Operação Lava Jato numa névoa de incerteza. Nomear o novo relator do processo no Supremo Tribunal Federal (STF) deveria ser uma decisão regimental simples. Mas o regimento do STF é tão ambíguo sobre o tema, que a situação se transformou numa oportunidade para aqueles que desejam melar a Lava Jato.

Quis o destino que Teori morresse às vésperas de homologar a maior de todas as delações da Lava Jato, firmada por 77 executivos da empreiteira Odebrecht, uma bomba com potencial de dizimar a cena política nacional. Seus juízes-auxiliares trabalhavam nas férias para acelerar o andamento do processo. A intenção de Teori era homologar o acordo no início de fevereiro.

A homologação é mais que uma formalidade burocrática, mas, a esta altura dos trabalhos, não ofereceria dificuldade maior. Como não se trata da primeira homologação, e como o assunto se arrasta há meses, o trabalho de Teori estava avançado. Nesta fase, ele apenas daria seu aval formal.

É com base nisso que a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, pode simplesmente decidir, em seu papel de plantonista nas férias, homologar tudo até o final da semana que vem. Independentemente de quem venha a ser o relator, os depoimentos estariam prontos para ser usados nos processos da Lava Jato e em novas denúncias do Ministério Público. Os envolvidos passariam também a cumprir as penas negociadas.

Do ponto de vista prático, seria a melhor solução. O atraso na Lava Jato seria menor, e estaria frustrada, ao menos por enquanto, a esperança daqueles que viam na morte de Teori um caminho para, na imagem do senador Romero Jucá, “estancar a sangria”.

Mas a questão não se encerra aí. Mesmo que Cármen exerça ainda nas férias o papel que Teori desempenharia na volta, restará em aberto o nome do novo relator. Dele dependerá o andamento de todos os processos. Por mais que a opinião pública possa fazer pressão – e certamente fará se vierem a tona todos os nomes citados –, a autoridade final é do juiz. Se for alguém interessado em pisar no freio, poderá fazê-lo, mesmo que a delação da Odebrecht esteja homologada.

Não se sabe a qualidade das provas apresentadas, nem a gravidade dos crimes atribuídos a um grupo de personagens que inclui Renan, Lula, Dilma, Serra, Alckmin, Temer e sabe-se-lá-mais-quem. Por isso mesmo, a decisão de Cármen é mais complicada do que aparenta ser. Se homologar de afogadilho uma delação que não traga provas contundentes, será acusada de jogar para a plateia. Se deixar para o novo relator depois do pedido de urgência feito pelo procurador-geral Rodrigo Janot, será acusada de omissão.

A decisão dependerá, portanto, de dois fatores. O primeiro é o conteúdo concreto das delações. Uma coisa é dizer que saiu dinheiro do caixa dois da Odebrecht para a campanha eleitoral, mas sem provas de que o beneficiado tenha se envolvido diretamente na corrupção. Outra, bem diferente, são extratos bancários e provas de depósitos em contas no exterior. Há crimes e crimes.

Quanto mais forte a acusação, maior a segurança da homologação. O primeiro desafio de Cármen é avaliar o poder de estrago de acusações que se espalham por centenas de anexos, num processo com milhares páginas. É trabalho que mesmo um juiz com a competência dela poderá ter dificuldade para realizar em uma semana.

O segundo fator, bem mais importante, é o critério de escolha do relator. Será ele quem herdará o problema. Pela lógica regimental, deveria ser o novo indicado para a vaga de Teori. Mas o presidente Michel Temer colocou Cármen numa sinuca, ao dizer que só indicará o substituto depois que a relatoria da Lava Jato estiver definida.

Invocando o caráter excepcional da Lava Jato e interpretando o regimento do STF de modo criativo, ela pode basicamente decidir o que quiser. Sabemos apenas que o novo relator será algum dos outros nove ministros. Seja escolhido com base em sorteio ou qualquer outro critério, sempre ficará alguma dúvida no ar. Seja quem for, não haverá como evitar que se espalhe algum cheiro de marmelada.

Brasília está em polvorosa com especulações sobre o efeito que um ou outro nome teria na Lava Jato. “Este não, de jeito nenhum!” é a expressão mais ouvida. Mas, em princípio, nenhum ministro poderia ser descartado. Se está no Supremo, é porque passou na sabatina do Senado e está, portanto, apto legalmente a julgar qualquer processo.

A verdadeira questão é outra. Em casos criminais, o juiz precisa sobretudo ouvir as testemunhas, os acusados e verificar a qualidade das provas. Nada disso tem muito a ver com o papel do STF, uma corte constitucional. O Supremo simplesmente não tem estrutura para lidar com um caso de tamanha complexidade como a Lava Jato.

A delação da Odebrecht se desdobra em tantos ramos, que o próprio Teori dizia que não deveria ficar a cargo de um só juiz. Mesmo que consiga homologar tudo até a semana que vem, Cármen deveria prestar atenção às dificuldades que criará para o novo relator.


Fonte:Mogi News