terça-feira, 16 de maio de 2017

CIDADES: Por falta de atenção, Câmara de Mogi aprova mesmo projeto duas vezes

 16 de maio de 2017  Cidades, QUADRO DESTAQUE  
Foi a partir do veto do prefeito Marcus Melo (PSDB), que identificou a duplicidade, que o Legislativo percebeu o engano. (Foto: Arquivo/ O Diário)
Foi a partir do veto do prefeito Marcus Melo (PSDB), que identificou a duplicidade, que o Legislativo percebeu o engano. (Foto: Arquivo/ O Diário)

LUCAS MELONI
Desde 2013, a Câmara Municipal de Mogi das Cruzes recebeu quatro projetos de lei semelhantes que propunham a concessão do status de utilidade pública à Associação de Amigos de Bairro de Vila Joia e Adjacências. Ela alcançou o feito graças a um pedido do vereador Mauro Araújo (PMDB), em novembro de 2014. Por pouco, a entidade não recebeu, em março deste ano, um segundo título do tipo, desta feita sugerido por Jean Lopes (PC do B), que não atentou-se ao fato de que um colega de parlamento já havia feito isto antes. Foi a partir do veto do prefeito Marcus Melo (PSDB), que identificou a duplicidade, que o Legislativo percebeu o engano.

A entidade que buscava a utilidade pública teria sido fundada pelo advogado Carlos Lucarefski, de 59 anos, em meados da década de 1990. Lucarefski foi vereador em Mogi das Cruzes entre os anos de 2013 e 2016. Dele partiu o primeiro dos quatro pedidos para a classificação de entidade de utilidade pública à associação de moradores da Vila Joia, em dezembro de 2013. A medida facilita a obtenção de recursos para projetos assistenciais (saiba mais nesta página). “Fiz o pedido, mas me disseram que faltavam alguns documentos para a conclusão do processo. Como eles não foram obtidos, retirei o pedido”, argumentou o ex-vereador. Nos bastidores, contudo, comenta-se que Lucarefski teria sido pressionado pelos colegas a retirar a proposta já que a entidade estaria sob comando de algum familiar e não poderia partir dele um pedido do tipo durante uma legislatura em que ele participasse.


Menos de um ano depois, em novembro, Mauro Araújo apresentou a segunda proposta – com uma redação bastante semelhante à primeira. Nela, o parlamentar afirma que a associação, localizada na Avenida Alexandrina de Paula, 470, na Vila Joia, tem papel importante e “vem fazendo ações de entretenimento para crianças e adolescentes e mais promovendo o cadastramento e a distribuição de gêneros alimentícios, que vínculada a órgãos estaduais de erradicação da fome como o viva leite (sic)”. Aprovado o pedido, a associação ganhou o status de utilidade pública por meio da lei 7.026/14.

Passados dois anos, em novembro de 2016, o ex-vereador Roberto Valença Lima (PMDB), sob posse do mesmo documento/pedido apresentado nas duas ocasiões anteriores, propôs o título de utilidade pública à entidade pela terceira vez. A proposta, contudo, foi arquivada porque era fim de legislatura, não deu tempo de encaminhá-la para votação e Valença, como se sabe, não fora reeleito.

No começo deste ano, Lucarefski pediu ao vereador Jean Lopes, seu colega na legislatura passada, que reapresentasse a proposta. Segundo ele, a Câmara teria dito que as propostas anteriores não tinham sido aprovadas. “Tinham me dito que não haviam aprovado por falta de documentos nas ocasiões. Por isso procurei o vereador Jean para pedir que apresentasse de novo porque a associação tem um trabalho importante no bairro e os moradores estavam me pressionando para isso”, disse o advogado. Há dois anos, Roseli Valentin Lucarefski, mulher do ex-vereador, preside a Associação de Amigos de Bairro de Vila Joia e Adjacências.

Lopes aceitou o pedido do ex-colega de parlamento. Ele, a exemplo dos demais parlamentares, pediu a utilidade pública à entidade com a mesma redação dos projetos anteriores. Os vereadores aprovaram a proposta em plenário em 21 de março.

A Casa Legislativa encaminhou o projeto para sanção do prefeito Marcus Melo. O jurídico da Prefeitura percebeu a duplicidade e Melo não sancionou o projeto. “Como se denota da análise do processo, a referida entidade já havia sido declarada de utilidade pública por meio de lei municipal 7.026/2014, razão pela qual este projeto de lei 13/17 perde o objeto. Desta forma, verificamos que assiste razão ao chefe do Executivo, que aborda razões técnicas e meritórias para apresentação do veto com base na contrariedade ao interesse público”, trouxe o documento devolvido ao Legislativo, no final de abril.

Questionado a respeito, o vereador Jean Lopes respondeu que não tinha conhecimento dos projetos anteriores e reconhece que houve descuido por parte da Câmara. “Estes tipos de projetos são corriqueiros aqui na Câmara Municipal e seguem, quase sempre, no piloto automático ao passarem pelas comissões (Departamento Jurídico, Justiça e Redação e Finanças, entre outras). Quando o ex-vereador Carlos Lucarefski me pediu, eu não imaginava que já havia sido aprovado o pedido antes. O Lucarefski me colocou em maus lençóis porque eu não teria como negar um pedido feito por um colega e não tinha como saber que já havia sido aprovado algo neste sentido”, rebateu.


Uma simples pesquisa numa velha ferramenta conhecida pelos parlamentares (o portal da Câmara na internet) permite a localização de todas as propostas. São elas as de números: 165/13 (projeto de autoria de Lucarefski), 141/14 (de Mauro Araújo), 171/16 (Roberto Valença Lima) e 13/17 (Jean Lopes).

Utilidade pública
A prática de tornar uma entidade de utilidade pública objetiva facilitar o acesso dela às verbas municipais, estaduais e federais para projetos sociais, de saúde e educação. Com a Prefeitura, a Associação dos Amigos de Bairro da Vila Joia e Adjacências não tem acordos de subvenção em nenhuma destas áreas. O fundador reconheceu que repassa litros de leite a cerca de 120 famílias por semana como parte do programa “Viva Leite”, da Secretaria de Estado de Assistência e Desenvolvimento Social de São Paulo. Esta por sua vez, afirmou que o convênio firmado com a entidade cadastrada na Pasta desde 1º de janeiro de 1995 prevê sete entregas de leite por mês, totalizando 2.145 litros do produto.

“Cômico”
A questão dos projetos aprovados em duplicidade pela Câmara Municipal de Mogi das Cruzes para dar status de utilidade pública à Associação de Amigos de Bairro de Vila Joia e Adjacências demonstra um erro grotesco e uma situação cômica, na visão do advogado Laerte Silva, um dos fundadores da Rede Nossa Mogi (de onde se desligou em outubro passado). De acordo com ele, o Legislativo precisa ter mais cuidado e rigor com os projetos analisados pelos vereadores.

Silva observa que o descuido mostrou uma falha no controle da Câmara sobre as propostas que recebe. “Os episódios mostram que o controle do Legislativo é mais do que falho. Não era de se supor que isto acontecesse. Se houvesse um rigor maior, isto talvez não tivesse acontecido. É um quadro grotesco e até cômico. É o que a sociedade civil organizada de Mogi sempre discutiu. Há uma tendência maior à aprovação de títulos honoríficos e de utilidade pública por parte do Legislativo. Ao mesmo tempo, o caso demonstra a falta de interesse da própria instituição que não percebeu que já tinha o título de utilidade e o requereu de novo”, observou.

Na prática, a aprovação em duplicidade não gera gastos ao Município, mas representa um desgaste desnecessário aos parlamentares que poderiam ter tomado cuidado com um assunto tão simples.

Fonte:O Diário de Mogi