domingo, 2 de dezembro de 2012

Tribuna Livre : Guararema, exemplo


Tribuna Livre
Guararema, exemplo
Mário Sérgio De Moraes

Imagine, caro leitor, esta cena: uma casa com frente formatada por duas janelas, como olhos feitos para xeretar os passantes. Elas estão abertas, deixando penetrar a morninha luz do entardecer. Ao lado, uma entrada com portão que leva a uma varanda contornando a construção. Neste terraço bem ventilado, alguns bancos de madeira antiga à espera de prosas e inúmeras redes tecidas com franjas bem largas de rendas. 
Em uma delas, cochila um homem de meia idade. Ele desabotoou a calça, está descalço - seus pés despontam como setas suspensas ao céu - e levemente, ele rosna. Satisfeito do lanchinho da tarde que tanto saboreou: a jabuticaba colhida do fundo do seu quintal. 
Gosta tanto deste fruto que a apelidou de "Olhos da Cabocla". Largado no meio do balanço, está ouvindo um radinho de pilha que sonoriza a música: "Serra da Boa Esperança/ esperança que encerra/ No coração do Brasil/ um punhado de terra...". No fundo, um acordeom, nhon... nhon..., lança notas sincronizadas com a rede, nhec... nhec... entrelaçando os sons. 
Embalando seu cochilo, "aiscuta" duas comadres tagarelando suas receitas de bolo, vozes de matracas vindas da cozinha. Ele sonha com a sua cidade transformada num presépio. Com grandes, grandes mesmo, árvores de Natal - bolas douradas, luzinhas piscando-piscando - colocadas nos jardins à beira do rio Paraíba. 
Nos postes, molduras de sinos dourados e, na base destas, pilastras, enfeites de caixas, baú de surpresas, onde decerto, encontrará o antigo estilingue de seu avô, o canivete perdido do seu pai, o missal que sua mãe nunca leu. Dos gramados desta invisível localidade exala um cheiro de terra molhada. E nas suas ruas, tão limpas, parece que foi a própria calma que as limpou.

E nosso homem percebe que vive num sem tempo nas prosas do Nini; no carro de boi do seu Né; na lenda da Mão Seca; nas festas da Lagoa Santa; no tocar do sino da Igreja: blen... blen... São 18 horas!
Então, meu caro leitor, um milagre se dá. Nosso personagem desperta e percebe que seu sonho não foi sonhado, mas se realiza neste inicio de dezembro. E poderá ser vivido, saboreado, numa Cidade Natal. Foi quando seu neto chamou: "Vovô, vamos embora, que eu quero ver onde nasceu o nenê. A vovó falou que lá passou uma graaaannnnde estrela". Lá em Guararema!

Mário Sérgio de Moraes, é historiador e professor de Cultura Brasileira

Fonte:Mogi News