Distorção
Dirceu Do Valle
Dia desses, visitando as lembranças de menino, resgatei em algum canto da memória as poucas idas que fiz ao Playcenter.
E nessa nostalgia, entre as lembranças de uma época em que tudo era mais leve, segui enumerando mentalmente os brinquedos preferidos e que entretinham a molecada no parque de diversões, com destaque, ao que aqui interessa, daquela sala cheia de espelhos, todos distorcendo, cada um a sua maneira, a imagem dos que diante deles se postavam. Baixos ficavam altos. Magros ficavam gordos. Cabeças aumentavam e diminuíam. Tudo se modificava. Era engraçado. Bons tempos. Risada geral.
Abrindo os jornais da semana, como em um déjà vu, vem à cabeça as mesmas imagens, especialmente da dita sala de espelhos. E neles o reflexo de um homem barbudo. Em um, esguio. No outro, obeso. Cabeça pequena. Cabeça grande. Em todas, cara-de-pau.
Lula, presidente emérito como diz o jornalista João Bosco Rabello, ou presidente adjunto, como apontou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, segue sem mandato, mas atuando como um presidente paralelo. Tudo no Planalto, ao que parece, tem o dedo dele. Do periférico ao principal.
Aliás, Lula, através do Instituto que leva seu nome, segue como a eminência parda do Brasil. Manda e desmanda. Além de Brasília, agora pilota São Paulo. Fernando Haddad, afilhado político que deve seu mandato a estrela maior do petismo, assistiu, sabe-se lá se constrangido, o padrinho comandar a primeira reunião de seu secretariado.
E falando em imprensa, Lula, conhecido por suas pérolas capazes de fazer corar um monge de pedra e de enlouquecer qualquer assessoria, disse, durante evento comemorativo da Central Única dos Trabalhadores (CUT), comparar-se com Abraham Lincoln, ex-presidente norte-americano, líder da luta contra a escravidão à época da guerra civil que assolou os Estados Unidos.
Até aí, nada demais. Lula já se comparou a Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, João Goulart, Tiradentes e, até mesmo, Jesus Cristo. Diante de personalidades tão diferentes, comparar-se a todos, desculpem a blague, tem, inegavelmente, um "que", além da megalomania, de esquizofrenia. Ambas perigosíssimas. Controláveis por remédio. Ou, no caso em discussão, senso de ridículo.
Os espelhos do Playcenter, propositalmente defeituosos, traziam alegria, e descontração. Enfim, agradáveis. Os de Lula, patologicamente defeituosos, tapa na cara do povo em tempos de mensalão, trazem escárnio, irrealidade e falsa percepção. Para não exagerar nos adjetivos.
Lula, assim como outros, teve sua importância. Esquece, porém, diferentemente dos grandes de verdade e por ele invejados, que elogio em boca própria tem cheiro de mofo.
Dirceu do Valle é advogado e professor da pós-graduação da PUC/SP
Fonte:Mogi News