domingo, 17 de abril de 2011

Classe média vai pautar eleições

Classe média vai pautar eleições

SÃO PAULO
A "nova classe média", trazida ao centro do debate político pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, na semana passada, e namorada pelo PT, que vê na presidente Dilma Rousseff a figura talhada para conquistá-la, chegou para mudar o cenário eleitoral do País, admitem analistas, marqueteiros e estudiosos.
O tema apareceu no artigo O Papel da Oposição, divulgado por FHC, e reforçou a condição de objeto de desejo do mundo político um vasto universo de 29 milhões de pessoas - pobres que, nos últimos seis anos, subiram da classe D para a C. É uma fatia que muda o mercado de consumo e carrega consigo novos comportamentos e expectativas. Analistas, líderes partidários, comunicólogos e marqueteiros já se esforçam para entender como reagirá, no futuro, esse segmento, que com sua ascensão fez da classe média o maior grupo social do País, com 94 milhões de pessoas (51% da população).
"Essa nova fatia, não é gente sem nada, que aceita qualquer coisa. É gente que trabalhou duro, subiu, sabe o que quer, tem mais informação e se torna mais exigente", resume Marcia Cavallari, diretora executiva do Ibope. "Isso merece um discurso novo. FHC acertou ao mandar a oposição ir atrás dela", disse.
Não por acaso, o economista Marcelo Néri, da Fundação Getúlio Vargas - primeiro a detectar esse fenômeno, num estudo de 2010 - considera essa iniciativa de Fernando Henrique "a segunda ideia mais inteligente da oposição em anos, depois do plano de estabilização dos anos 1994-2002". Esse brasileiro, diz ele, "quer sonhar, e não apenas diminuir seus pesadelos".
O impacto dessa nova classe já se faz sentir no mundo político, que ainda procura entender a enorme votação da candidata Marina Silva (PV) nas eleições presidenciais de 2010. "Mas é perda de tempo tentar adivinhar se é um grupo de esquerda ou de direita", observa Antonio Prado, sócio-diretor da Análise, Pesquisa e Planejamento de Mercado (APPM), em São Paulo.
Esse universo, diz Prado, "é composto por cidadãos que tomaram iniciativas, buscaram créditos, tornaram-se microempresários". "Seus filhos estão entrando na universidade via ProUni. Como trabalhadores, não querem um Estado que os tutele, mas que lhes dê oportunidades para crescer." Como cidadãos, continua o analista, esperam "que haja ordem na sociedade, para nenhum malando lhe passar a perna" - afinal, se esforçaram demais para chegar aonde chegaram. Dos políticos, esse eleitor espera "coerência e dedicação ao bem comum".
Mas para quem imagina que isso tudo tem um certo jeito de direita, Prado avisa que "esse brasileiro já foi pobre e percebeu que uma tarefa prioritária do Estado é atacar as desigualdades" - ou seja, a nova classe é a favor dos programas sociais. E, mais do que discurso ideológico, quer bons gestores.
A vendedora Solange Ferreira Luz, moradora da periferia de São Paulo, é um exemplo típico desse novo eleitor mais informado e mais exigente. "Minha maior preocupação é a escola de meus filhos", diz ela. Tanto que juntou dinheiro para comprar um computador e prefere que eles estudem em escolas técnicas estaduais, que segundo ela têm melhor padrão que as municipais.
Marcia Cavallari avalia uma consequência prática da entrada em cena desse eleitor: "Ele percebe que há empregos e sabe que não tem preparo para se candidatar a muitos deles. Então, a qualidade do ensino se torna um fator decisivo para sua vida, para ele aprender e subir. E ele quer que seus filhos cheguem à universidade e tenham uma vida melhor que a dele. Isso torna inevitável, em próximas eleições, o debate eleitoral qualificado sobre o nível da educação no Brasil."
Pode-se estender essa novidade a outros setores. "Para essa nova classe média, é tudo novidade. A primeira viagem de avião, a primeira TV de plasma. O filho na universidade saberá avaliar melhor o nível da educação", compara Renato Meirelles, diretor do instituto Datapopular, que faz estudos sobre o mercado popular no Brasil. Ele lembra, a propósito, estudos segundo os quais 68% dos filhos, na classe C, estudaram mais que os pais, enquanto na classe A apenas 10%.
Ralé
Os limites desse novo cenário, no entanto, não podem ser ignorados. Primeiro, porque os "novos" se juntam a uma enorme classe média e podem também assimilar seus projetos e valores, na experiência do dia a dia. Esse termo "designa setores que ampliaram sua capacidade de consumo", adverte Leôncio Martins Rodrigues, "mas não define especialmente um novo segmento social".
O sociólogo Jessé Souza até se recusa a admitir que exista uma nova classe média: existem o que ele chama de "batalhadores", uma multidão que tanto poderá ser "cooptada pelo discurso e pela prática individualista", como assumir um papel protagonista e ajudar a "ralé" - parte do que FHC chamou de "povão". O próprio Fernando Henrique admite também que classe implica um estilo de vida, valores, e prefere falar de "novas categorias sociais".
Marcelo Néri destaca, também, que "nem política nem economicamente há nada conquistado nesse público - nem pelo PT nem pelas oposições". Além disso, "todos podem perder com a inflação, se ela voltar, e também com o desemprego".


Fonte:O Diário de Mogi